PORQUE NÃO INSTALAR A URE NO ATERRO LARA EM MAUÁ?
01. Porque contraria alguns aspectos da Lei Federal 12.305/2010, entre eles a que define uma ordem de prioridade para a gestão e gerenciamento de resíduos sólidos.

A ordem de prioridade na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos definido na legislação é a “não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”.

Ao se instalar uma tecnologia que destrói os resíduos via incineração considerado equivocadamente de “tratamento dos resíduos sólidos”, antes de esgotar alternativas anteriores, conflita com a Lei 12.305.

Ao tomarmos como referência a reciclagem e o município em que se pretende instalador o incinerador de resíduos, a cidade de Mauá, a ilegalidade é visível. Até o mês de fevereiro de 2020, praticamente não era sequer realizada a coleta seletiva pública porta a porta de materiais recicláveis no município, praticamente todo o material da coleta doméstica do município era aterrada no aterro Lara. A coleta seletiva porta a porta se restringia apenas a um único bairro, o Guapituba. A partir de março de 2020, a cooperativa de catadores Coopercata, inicia a coleta seletiva porta a porta no Parque São Vicente.

A média de geração per capita de resíduos na região do Grande ABC para 2020, prevista no “Plano Regional de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Grande ABC”, elaborado pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC, é de 0,9299 quilos por habitante.

Levando em consideração a população do município de Mauá de 472.912 (população estimada para 2019 – IBGE), chegamos à conclusão que a geração de resíduos mensal de resíduos domiciliares atinge o montante de 439.760,86 quilos diário, e uma produção mensal de 13.192.825 quilos mensal. Ou seja, aproximadamente 13.193 toneladas/mês. Levando em consideração que do total gerado de resíduos dos municípios em média cerca de 30% é passível de ser reciclável (IPEA), concluímos que 3.957,9 toneladas por mês no município de Mauá poderia ser reciclado. Desse montante, cerca de 30 toneladas/mês é destinado à reciclagem pela Coopercata, ou seja, apenas cerca de 0,75% do total de resíduos passíveis de ser reciclável do Município. Apesar de não ser a única destinadora de resíduos do município para a reciclagem, somando todos as outras, esse percentual ainda assim continua sendo ínfimo. Se tomarmos como referência o percentual destinado à reciclagem a partir do total de resíduos gerado, como é utilizado usualmente, esse percentual de material reciclável destinado à reciclagem é de 0,22%.

Esses números nos leva à conclusão de que a coleta seletiva de materiais recicláveis está apenas atendendo uma ínfima parcela do município de Mauá e já está sendo proposto romper com a ordem de prioridade, e partir para o estágio seguinte, “tratamento dos resíduos sólidos”, o que contraria a legislação.

02. Porque tenderá a desestimular práticas já incipientes como a coleta seletiva e a destinação para a reciclagem

A URE está prevista para incinerar 3 mil toneladas diariamente de resíduos. Levando em consideração a população dos municípios que depositam seus resíduos no Aterro Lara, praticamente toda a geração desses resíduos podem ser destinadas a esta unidade (Mauá, Diadema, Ferraz de Vasconcelos. Itanhaém, Juquiá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul,

Levando em consideração que atualmente a coleta seletiva de materiais recicláveis está sendo realizada atendendo 100% das residências dos municípios de São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, dois municípios que realiza a deposição de resíduos no aterro Lara, a introdução de uma tecnologia não adequada como esta da “URE”, pode desestimular gestores públicos não alinhados com práticas sustentáveis a abandoná-las totalmente.

E, também, nos municípios que não atendem em 100% das residências com a coleta seletiva de materiais recicláveis, podem fazer com que essa prática sustentável sequer venha a ser devidamente implantada. O apelo econômico poderá falar mais alto, como ocorre geralmente, em detrimento das práticas sustentáveis ambientais e sociais.

03. Apesar de serem chamadas de Unidade de Recuperação de Energia – URE, na realidade gastam mais energia do que geram, e ainda destroem matérias primas finitas na natureza de forma insustentável.

Apesar de terem como denominação o termo “Unidade de Recuperação de Energia”, uma análise detalhada do ciclo de atividades revela que as incineradoras gastam mais energia do que produzem. Isto porque os produtos que são incinerados, devem ser substituídos por novos produtos. No processo de extração e processamento de materiais virgens e a transformação em novos produtos, gasta muito mais energia.

E, uma outra questão é que muitos desses naturais são finitos na natureza, como petróleo e minérios, e com a incineração praticamente deixam de existir como matéria prima para novos produtos. Passam a ser gases ou escórias, ambos nocivos ao meio ambiente, algumas vezes com gravidade ainda desconhecidas pela ciência. Portanto, não é uma prática sustentável, e por este motivo vem sendo combatida em diversas partes, especialmente nos países europeus.

Outra questão que cabe saliente, em relação à geração de energia, é com relação à sua necessidade, periculosidade e ao seu uso. Atualmente, a matriz energética no Brasil é constituída em cerca de 90% de energia proveniente de hidroelétricas. Em uma pequena usina construída em Cubatão, em 1926, denominada Henry Bordem, a capacidade instalada é de 889 MW, Itaipu - 14.000 MW, Belo Monte – 11.233 MW, Tucuruí – 8535 MW, essas e mais outras 143 usinas estão interligadas ao Sistema Interligado Nacional – SIM. A capacidade energética da URE Lara Mauá citada no Relatório de Impacto do Meio Ambiente é de 77 MW. Se a justificativa para a implantação da URE Lara Mauá maior for a produção de energia elétrica, seguramente, não se faz necessário em se tratando do potencial energético instalado interligado nacionalmente. E os riscos gerados com a produção dessa energia elétrica para a saúde pública e ao meio ambiente, torna o empreendimento totalmente sem sentido. Além do que para a movimentação da URE a hipótese levantada é que somente para o seu funcionamento, serão consumidos cerca de 70% da energia gerada.

Estranhamente, na página 5 do RIMA da URE Lara Mauá, está sendo considerado o lixo como fonte de energia renovável. Essa distorção de conceito ocorre pelo fato de não ter sido levado em consideração os componentes existentes no lixo, onde muito elementos são finitos no meio ambiente e seus “extermínios” podem colocar em risco o futuro do planeta. Não é renovável e nem fonte limpa, argumento também levantado pelos seus defensores. Gera poluição e dependendo do grau de controle do processo, com as alterações de temperatura na queima do lixo em decorrência da natureza do resíduos orgânico brasileiro com grau de umidade diferente do europeu, pode produzir dioxinas e furanos, elementos altamente cancerígenos.

04. O termo “tratamento dos resíduos sólidos” não é adequado para a prática da incineração

O termo tratamento no caso da incineração de resíduos não é adequado de maneira nenhuma. Pois na realidade o que se pretende é a destruição dos materiais e não a sua recuperação, que no caso seria o reuso, recuperação propriamente dita ou a reciclagem. Da mesma forma, a “eutanásia”, não significa tratamento da doença com vistas a restabelecer o doente, mas sim a morte do paciente.

05. Provocam danos à saúde pública com as dioxinas e furanos

Um dos grandes problemas da incineração é com a formação de dioxinas e furanos, dois elementos altamente cancerígenos decorrentes desse processo. A queima sem o devido controle de temperatura, filtragem devida dos gases gerados antes de sua emissão e tratamento dos filtros de manga após seu tempo de vida útil são aspectos preocupantes em todo sistema de incineração de resíduos.

Os resíduos orgânicos especialmente restos de alimento no Brasil geralmente são mais úmidos do que o europeu. Necessitam de muita energia para deixá-los secos antes de entrar na câmara de combustão. Em não estando devidamente secos, pode provocar oscilações na temperatura a tal ponto de permitir a formação de dioxinas e furanos e causar danos irreparáveis. Os filtros de manga que tem por objetivo filtrar as impurezas representam custos elevados na manutenção do incinerador. Devem ser substituídos e os retirados, devem ser devidamente tratados. Isso significa custo elevado, que encarece substancialmente o processo como um todo.

“INCINERAÇÃO E DIOXINAS: ANÁLISE DO APORTE TEÓRICO DISPONÍVEL” “Para evitar a formação de PCDD’s/PCDF’s (dioxinas e furanos) recomenda-se trabalhar em temperaturas acima de 1200 °C, com tempos de residência de 2 segundos, CO na faixa de 40-50 ppm, excesso de oxigênio em torno de 3% base seca na chaminé, resfriamento rápido dos gases de combustão (brusco até 80 °C, sem etapas intermediárias, evitando-se tempo de residência nas faixas entre 275-375 °C e 550-650 °C), evitar o acúmulo de cinzas principalmente nas zonas de baixa temperatura, e finalmente boas condições de intimidade entre os reagentes na câmara de combustão, além de perfeita distribuição da temperatura na câmara... ...As grandes preocupações residem nos critérios de avaliação de riscos, nos procedimentos de testes de queima, na fiscalização da fidelidade aos parâmetros operacionais aprovados, todos considerados muito limitados ou mesmo insuficientes para garantir que o impacto ambiental não será significativo. Todas essas matérias, entretanto, estão em constante evolução, sendo objeto de pesquisas e melhoramentos permanentes. ( http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2001_TR104_0410.pdf )”

06. Conflita com a Legislação atual quanto a alguns de seus princípios

Elencamos alguns dos princípios da Lei 12.305/2010, para demonstrar que a URE Lara Mauá, não está alinhada com a legislação em seus princípios.

Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública;
V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta;
VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania;

Em relação ao item III a URE não atenta na gestão de resíduos para as variáreis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública. Se levarmos em consideração a questão econômica apenas para os acionistas ou proprietários do empreendimento podemos dizer que sim. Mas a Lei ao citar a questão econômica faz alusão a questões de interesse público e social.

Em relação ao item V, a URE Lara rompe com o equilíbrio preconizado neste princípio de consumo de recursos naturais com a capacidade de sustentação estimada do planeta. As destruir as matérias primas com a incineração, muitas finitas como os minerais e petróleo, pode gerar graves problemas para as futuras gerações.

Em relação ao item VIII, a URE Lara Mauá, nega totalmente esse princípio, atuando de forma criminosa. Ao reconhecer como bem econômico, fica subentendido que não pode ser simplesmente destruído. Outro aspecto é que a geração de trabalho e renda é ínfima na URE enquanto que na reciclagem com as cooperativas de catadores, somente na região do ABC, pode ultrapassar 3 mil segundo estudo da Coopcent ABC, de forma imediata. E, quanto levamos em consideração a promoção da cidadania, podemos afirmar que esse empreendimento caminha no sentido inverso, pois tenderá a gerar desemprego com a eliminação de postos de trabalho.

07. Conflita com alguns objetivos da Lei 12.305/2020. Citamos abaixo alguns dos objetivos desta legislação para demonstrar aspectos conflitivos.

Art. 7º São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos:
II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos;
IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais;
VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados;
XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;
Em relação ao item II, a legislação define uma ordem de prioridade a ser respeitada. Ao pretender instalar a URE Lara Mauá antes de atender os itens que antecedem caracteriza o ilícito. Cabe aos órgãos de licenciamento e fiscalização atentar para esses parâmetros.

Em relação ao item IV, cabe um comentário: os proprietários/acionistas/defensores da URE Lara irradiam por meio de marketing que estará sendo praticada uma tecnologia limpa com a implantação da URE. Todos os conceitos de tecnologia limpa levam em consideração diminuição de impactos ambientais, consumo, desperdício e o uso de recursos naturais de forma adequada. Na produção de energia são citadas a eólica, solar, marés, etc. como tecnologia limpa. A destruição pela queima de matérias primas jamais poderá ser considerada tecnologia limpa. É uma afronta ao conceito.

08. É uma tecnologia que vem sendo empregada em diversos países do mundo, veja a Alemanha...

Este foi um dos argumentos utilizados na audiência pública para validar a instalação da URE Lara Mauá: esta é uma tecnologia que vem sendo empregada... veja o exemplo da Alemanha.

Em 2011, de acordo com o Eurostat, órgão de estatísticas da União Europeia, 63% de todos os resíduos urbanos foram reciclados na Alemanha (46% por reciclagem e 17% por compostagem), contra uma média continental de 25%. Se entre seus vizinhos 38% do lixo acaba em aterros sanitários, na Alemanha a taxa é virtualmente zero, graças, em grande parte, ao fato de que 8 em cada 10 quilos do lixo não ¬reaproveitado são incinerados, gerando energia. A incineração incide apenas para o lixo não aproveitado ou seja para o rejeito.

É uma cultura arraigada na sociedade. Em 1970, a Alemanha tinha cerca de 50 mil lixões e aterros sanitários. Hoje, são menos de 200. A cadeia produtiva de resíduos emprega mais de 250 mil pessoas. Estima-se que 13% dos produtos comprados pela indústria alemã sejam feitos a partir de matérias-primas recicladas. Várias universidades oferecem formação em gestão de resíduos, além de cursos técnicos profissionalizantes. (fonte: https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/residuos-solidos/mundo-rumo-a-4-bilhoes-de-toneladas-por-ano/como-alguns-paises-tratam-seus-residuos).

É importante entender que as Diretrizes Europeias estão direcionando seus conceito para priorizar a reciclagem.

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